sábado, 27 de abril de 2013

15 - O Direito no Brasil Colonial - Parte II: As Ordenações Portuguesas



O direito escrito português (do estado português) surgiu com as Leis Gerais publicadas no ano de 1210, que tiveram como objetivo principal a centralização do poder nas mãos do rei. Por serem "gerais", elas valiam para todo o território do reino de Portugal.

Com o tempo foram surgindo novas leis visando ao controle de uma realidade social cada vez mais dinâmica e complexa. A economia portuguesa, desde o início, esteve ligada ao comércio marítimo, e a riqueza produzida por esse comércio acabou contribuindo para o aumento populacional e, consequentemente, para uma maior complexidade da sociedade. (Lisboa se tornou, no final dos anos 1300, o porto mais movimentado da Europa e uma das cidades mais populosas do continente).

Essa nova sociedade exigia um número maior de novas leis, que tratassem de outros temas, de outras situações que antes não tinham sido previstas.

Em 1385, o rei Dom João I iniciou um trabalho de codificação das leis gerais, reunindo-as em um corpo legislativo único, formado por cinco livros. Esse trabalho só foi concluído em 1446, no reinado de Afonso V.

Portanto, a primeira grande codificação do direito português foram as chamadas Ordenações Afonsinas, resultado do trabalho iniciado em 1385 pelo rei Dom João I e concluído apenas no reinado do rei Afonso V (por isso "Afonsinas", em referência ao rei Afonso V).

As Ordenações Afonsinas constituíram o primeiro código legislativo do reino de Portugal. Era dividido em 5 livros, que tratavam da proteção dos bens da Coroa, da garantia às liberdades individuais, da proibição de abusos por parte de funcionários reais, entre outros temas. 

É importante ressaltar que o direito romano foi a base das leis gerais e ordenações portuguesas, desde a Idade Média até os tempos modernos, e que muitas leis portuguesas foram simplesmente cópias adaptadas do direito romano. 

Não podemos nos esquecer também da forte influência exercida em Portugal pelo direito canônico, que, muitas vezes, serviu de orientação aos juízes civis e ao próprio rei. (Lembre-se que não havia ainda uma distinção clara entre Religião/Igreja e Estado). 

As Ordenações Afonsinas vigoraram de 1446 até 1521, quando foram publicadas as Ordenações Manuelinas, no reinado de Dom Manuel I. De 1446 até 1521, prevaleceram as Ordenações Afonsinas, só que, nesse período, foi preciso publicar novas leis visando ao controle de uma sociedade que, a cada dia, tornava-se mais complexa. Essas leis publicadas fora do Código (ou complementando o Código) eram chamadas de Leis Extravagantes. (Extravagante é uma coisa fora do comum, singular. No caso da lei, uma lei fora do comum, fora do usual, que surge para solucionar um problema novo).

As Ordenações Manuelinas, de 1521, foram o resultado da reunião das Ordenações Afonsinas com as leis extravagantes publicadas de 1446 a 1521, é claro que com a  revogação de leis, adaptações, etc. (Nesse período de 1446 a 1521 foram publicadas leis extravagantes que tratavam do funcionamento e da estrutura dos tribunais seculares, criados pelo rei, e da atuação dos funcionários responsáveis pela aplicação das leis e pela administração da justiça. Essas e outras leis extravagantes passaram a fazer parte das Ordenações Manuelinas). 

De 1521 a 1603 aconteceu a mesma coisa. Novas leis extravagantes foram publicadas fora das Ordenações e que depois foram reunidas nas chamadas Ordenações Filipinas, publicadas em 1603, durante o governo do rei Felipe. 

As Ordenações filipinas foram o código legislativo português que vigorou no Brasil por mais tempo. Na verdade, as Ordenações filipinas eram as Ordenações Manuelinas (com alterações/atualizações) mais as leis extravagantes publicadas de 1521 até 1603. É um código extremamente complexo, porque a sociedade portuguesa assim exigia.

Em 1521, na época das Ordenações Manuelinas, Portugal não tinha ainda tomado posse do Brasil (foi o período da extração do pau-brasil). Em 1603, o Brasil já estava sendo colonizado e explorado pelos portugueses. Graças ao açúcar brasileiro, a economia portuguesa se desenvolveu muito: a população aumentou e as cidades cresceram, exigindo um código legislativo maior e mais sofisticado.

As Ordenações filipinas, bem como os outros códigos anteriores, compõem-se de cinco livros. O primeiro trata do direito administrativo e da organização judiciária, versando sobre as atribuições, direitos e deveres dos magistrados, oficiais de justiça e funcionários em geral. O segundo trata do direito do clero, do rei, da nobreza e dos estrangeiros, definindo os privilégios, direitos e deveres de cada um e regulamentando as relações entre o Estado e a Igreja. O terceiro trata do processo civil, ou seja, dos procedimentos judiciais relativos a situações de natureza privada (relações privadas), como casamento, patrimônio, sucessão, doações, contratos, etc. O quarto trata do direito civil e do direito comercial, apresentando as leis que compõem esses direitos. O último livro é dedicado ao direito penal.

Leituras e vídeos complementares:

História do Direito Português no período das Ordenações Reais

As Ordenações Afonsinas de 1446 (vídeo) - só o início


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Dica de leitura: "Subsistência e Poder"



Isso não é matéria de prova, mas para quem se interessar pela história do direito no Brasil Colonial (1500-1822), sobretudo na Capitania de Minas Gerais, no século XVIII (1701-1800), eu indico o meu livro Subsistência e Poder: a política do abastecimento alimentar nas Minas setecentistas, publicado em 2008 pela editora UFMG (resultado da minha tese de doutorado, defendida no departamento de História da UFMG em 2002). Ele está disponível para empréstimo na Biblioteca da FAPAM e na Biblioteca Pública Municipal de Pará de Minas. 

Para ler uma resenha do livro, publicada na Revista Brasileira de História, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vídeo-aula: O Brasil Colonial (1500-1822)


Aula complementar de 28 minutos (com vários temas não tratados em nossa aula), ministrada por Boris Fausto, um dos mais importantes historiadores brasileiros da atualidade:
CLIQUE AQUI para assistir

Slides da aula 14: O Direito no Brasil Colonial - Parte I: O Brasil português (1500-1822)


Para visualizar os slides, CLIQUE AQUI

14 - O Direito no Brasil Colonial - Parte I: O Brasil português (1500-1822)



Quando ocorreu a centralização do poder nas mãos dos reis, na Europa, os impostos de cada antigo feudo passaram a se concentrar na Fazenda Real ou Erário Régio, uma instituição estatal. Com esses recursos, os reis começaram a financiar a atividade comercial da burguesia no continente europeu e, depois, no ultramar.

As grandes expedições ultramarinas, como as de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, só foram possíveis porque as monarquias espanhola e portuguesa investiram dinheiro no treinamento de marinheiros, na construção de caravelas e naus bem equipadas, no desenvolvimento de instrumentos técnicos para a navegação, etc. Foi uma empresa caríssima, que só foi possível graças à montagem de uma estrutura centralizada de arrecadação de impostos em ambos os estados.

Quando Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa em 1500, o seu objetivo era atingir as Índias, região do Oriente onde eram produzidas as “especiarias” (gengibre, pimenta, canela, cravo, nós-moscada, etc.), que os portugueses trocavam por outras mercadorias e revendiam na Europa, obtendo lucros vultosos.

É importante lembrar que havia uma rota antiga para as Índias, que era utilizada principalmente pelos genoveses e venezianos. Essa rota passava pelo mar Mediterrâneo, indo até o Oriente Próximo, onde todas as mercadorias tinham que ser descarregadas, e se percorria o resto do caminho de camelo, mula ou mesmo a pé. Era uma rota difícil, dispendiosa e perigosa, e quando os turcos otomanos (já convertidos ao islamismo) tomaram o Mediterrâneo em 1453, as dificuldades para percorrê-la aumentaram ainda mais.

O português Bartolomeu Dias encontrou um novo caminho para as Índias em 1488. Seguindo esse caminho, Vasco da Gama, em 1495/1496, cruzou o Cabo da Boa Esperança (no sul da África) e chegou a Calicute, que era a cidade comercial mais importante das Índias, estabelecendo ali relações comerciais com os indianos. Vasco da Gama voltou a Lisboa em 1499, trazendo muita mercadoria: gengibre, pimenta, cravo, canela e outras especiarias. Foi recebido como herói pelo rei e pela população.

Em vista disso, o rei D. Manuel organizou uma nova expedição às Índias, chamando para ser seu capitão Pedro Álvares Cabral. Cabral tinha na época 32 anos e era um ótimo estrategista militar. Parece que o objetivo, dessa vez, não era só estabelecer relações comerciais com os indianos, mas também analisar as possibilidades de uma intervenção militar portuguesa nas Índias, ou seja, Cabral teria que, como se não quisesse nada, avaliar os riscos e estabelecer estratégias para uma provável futura invasão portuguesa de Calicute e de outros pontos estratégicos daquela região.

Pedro Álvares Cabral partiu com sua frota rumo às Índias. De acordo com o relato do escrivão Pero Vaz de Caminha, que estava na frota, na altura das ilhas Canárias um dos navios se perdeu. Cabral começou então a procurá-lo, desviando-se da rota, o que o levou ao Brasil.

A pergunta que os historiadores se colocam é a seguinte: será que esse afastamento foi só mesmo para tentar encontrar o navio que se perdeu ou foi porque Cabral sabia, ou pelo menos tinha uma idéia, de que ele encontraria alguma coisa ali? No norte, o navegador Cristóvão Colombo havia encontrado um novo território, e os portugueses sabiam disso...

Para quem não conhece a história de Colombo, ele era um navegador experiente de origem italiana – era genovês – que tentou vender uma idéia para os portugueses: a de que se eles navegassem rumo a Oeste, dariam a volta ao mundo e chegariam às Índias, porque a terra era redonda. Os portugueses, céticos, não acreditaram e resolveram investir mesmo na “Carreira da Índia” passando pelo Cabo da Boa Esperança. Colombo então foi vender a sua idéia aos reis de Castela, que acreditaram nele e financiaram a sua viagem. Colombo "descobriu" a América em 1492, só que morreu achando que tinha chegado às Índias.

No período em que Portugal não sabia ainda o que fazer com o Brasil, a única atividade econômica que os portugueses estabeleceram ali foi a extração do pau-brasil, que era uma madeira que produzia uma tintura “cor de brasa” (vermelha), de alto valor comercial na Europa, utilizada principalmente nas manufaturas de tecidos.

Por volta de 1530, o comércio com as Índias já não era tão vantajoso aos portugueses devido à concorrência com outras potências marítimas.

Os lucros obtidos por Portugal com o comércio oriental estavam diminuindo, o que, aliado à ameaça de invasão estrangeira do Brasil, fez com que o rei de Portugal decidisse colonizar o território de fato, ou seja, explorar, povoar e defender, dando um rumo econômico diferente (e mais lucrativo) para a nova colônia.

Em 1530, o rei de Portugal, D. João III, enviou ao Brasil uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, que teve como objetivo percorrer a costa brasileira, reconhecendo o litoral, e dar início ao estabelecimento de um sistema administrativo que permitisse a colonização do Brasil, sistema este que ficou conhecido como "Capitanias Hereditárias". O Brasil foi dividido em 15 capitanias.

Mas o que era uma capitania hereditária? Naquela época, capitania era uma divisão territorial e política dentro de uma colônia. Era um espaço territorial delimitado que pressupunha, também, dentro de seus limites, a presença de uma autoridade administrativa. As capitanias hereditárias foram a primeira experiência de descentralização política no Brasil. Por quê? Porque cada capitania era governada por uma autoridade, o capitão donatário, escolhido pelo rei de Portugal. Não havia centralização do poder nas mãos de uma única autoridade no Brasil, mas várias autoridades, vários capitães donatários governando em territórios delimitados – por isso descentralização do poder –, uma forma de organização política muito parecida com a do sistema feudal.

A missão do capitão donatário era povoar o território da sua capitania, fazê-lo dar lucro e defendê-lo de invasores estrangeiros.

Embora o rei de Portugal estivesse acima do capitão, este não era funcionário do rei, não representava o estado, era apenas um nobre interessado em ficar rico no Brasil.

O capitão donatário tinha poderes quase absolutos sobre quem vivia na sua capitania: ele tinha poder para criar vilas, administrar a justiça e questões relativas à produção econômica; podia mandar prender, matar... Só não podia fazer tudo porque havia um documento que, de certa forma, limitava um pouco (mas muito pouco mesmo) o seu poder: a Carta de doação e Foral, que estabelecia os direitos, algumas leis, os tributos a serem pagos ao rei e ao próprio capitão, entre outras coisas. Fora isso, o poder do capitão sobre a sua capitania era imenso, quase absoluto.

O problema foi que apenas duas capitanias prosperaram: a de Pernambuco, no Nordeste, e a de São Vicente, no Sudeste. Em vista disso, em 1548 o sistema de capitanias hereditárias foi extinto e o rei de Portugal decidiu colocar no seu lugar um sistema administrativo centralizado: o Governo Geral.

A Capitania de Pernambuco deu certo porque conseguiu dar início à cultura da cana e à produção de açúcar de forma relativamente organizada. Conseguiu também defender e povoar o território.

Já a Capitania de São Vicente deu certo não por ter iniciado uma atividade econômica que se mostrasse lucrativa, porque nesse ponto o seu capitão donatário não foi muito bem sucedido – embora tenha havido ali um certo desenvolvimento da cultura canavieira –, mas ele conseguiu povoar a região de forma satisfatória e montou ali um sistema de defesa eficaz que, na opinião do rei de Portugal, deveria ser mantido para defender aquelas terras mais ao sul contra uma possível invasão estrangeira.

Temos então duas capitanias que deram certo e um Governo Geral – instituído em 1548 –, na Capitania da Bahia (por ter sido o primeiro ponto de ocupação do território brasileiro), com sede em Salvador (cidade criada em 1548 justamente para ser a sede do Governo Geral do Brasil).

O primeiro Governador Geral do Brasil foi Tomé de Souza, que veio acompanhado de outros funcionários (pagos pelo estado português) para auxiliá-lo na sua tarefa administrativa centralizadora: o provedor-mor, responsável por assuntos de finanças, ligados à fazenda (impostos, sobretudo); o capitão-mor, responsável pela defesa da colônia; e o ouvidor-mor, responsável pela aplicação da justiça do rei.

Tomé de Souza foi Governador Geral do Brasil de 1549 até 1553, e foi a partir do seu governo que se desenvolveu a indústria açucareira no Brasil.

Por que o açúcar? Primeiro porque os portugueses não tinham conseguido encontrar ouro e prata naquele momento inicial da colonização e precisavam de uma atividade econômica que fornecesse mais riqueza ao estado português do que a simples extração de pau-brasil (o açúcar era uma especiaria na Europa). Depois, porque eles já dominavam as técnicas de produção de açúcar, que eram já empregadas em outras possessões portuguesas, como na ilha da Madeira e nos Açores.

Só que eles precisariam de uma mão-de-obra adequada, porque o índio, na visão dos portugueses, não era bom escravo.

Foi aí que teve início o tráfico negreiro para o Brasil.

A África, na época dos descobrimentos, era formada por várias tribos (nações) diferentes de africanos. Os portugueses, já no início do século XV (anos 1400), começaram a estabelecer contato com essas tribos africanas e logo perceberam que a escravidão era uma instituição naturalmente aceita entre elas. Os portugueses, logicamente, tiraram proveito disso, comprando escravos dos próprios africanos.

O que acontecia era que essas tribos entravam em guerra umas com as outras e as tribos vencedoras escravizavam os prisioneiros das perdedoras. Esses prisioneiros eram, então, trocados no litoral por mercadorias que os portugueses traziam: armas, tecidos, rolos de tabaco, vinho, aguardente, roupas usadas, chapéus, etc.

Logo que desembarcavam no litoral brasileiro, os escravos eram reunidos num armazém e depois separados em lotes para serem vendidos.

Foi assim, então, que se introduziu no Brasil o sistema escravista, como um acessório da economia açucareira.

No final do século XVII, diante da crise dos engenhos de açúcar no nordeste brasileiro, os portugueses começaram a investir na produção manufatureira em Portugal (de tecidos, sapatos, roupas, etc.), para ver se com isso a economia portuguesa se reerguia. Só que essa iniciativa acabou não dando certo e foi abandonada.

Enquanto isso, no Brasil, os paulistas, colonos da capitania de São Vicente, davam início às suas expedições pelo interior do Brasil. Encontraram muito ouro na região que, mais tarde, foi chamada de Minas Gerais, no final do século XVII, entre 1693 e 1695; depois, em Mato Grosso (1719) e, mais tarde, em Goiás (1726). A capitania de Minas Gerais foi criada em 1720.

O rei de Portugal viu aí a chance de resolver todos os problemas econômicos de Portugal e mandou logo promulgar, em 1702, o Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro (instrumento de centralização e controle). Esse regimento se manteria até o término do período colonial, apenas com algumas modificações.

Vamos agora dar um salto para o ano de 1820. Nessa época, a elite brasileira era formada por grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e também comerciantes brasileiros e estrangeiros, que queriam que o Brasil fosse livre para comerciar com a Inglaterra e outros países, sem depender da intermediação portuguesa, que era prejudicial aos seus interesses. Essa elite tinha consciência da precária situação de Portugal (devido à crise do ouro e ao seu enfraquecimento político após a fuga da família real para o Brasil, em 1808) e não queria depender de um país em decadência. Queria, na verdade, um Brasil independente, livre para vender seus produtos – principalmente o café – a qualquer país que pudesse pagar por eles.

Já a elite portuguesa (no Brasil e em Portugal), formada principalmente por comerciantes portugueses, queria um Brasil colonial, submetido a Portugal e aos interesses de sua burguesia.

Em resumo, a elite brasileira queria o liberalismo econômico, a livre concorrência, e a elite portuguesa queria a volta do monopólio comercial português (abolido pelo Príncipe D. João em 1808, quando veio para o Brasil), porque só assim ela teria condições de crescer economicamente.

Mas no fundo, podemos afirmar, o que a elite brasileira queria mesmo era poder. Ela queria participar das tomadas de decisões, governar o Brasil de fato, para poder conduzir a política a seu favor, a favor do Brasil cafeeiro, agro-exportador. Ela não queria o retorno do regente D. Pedro (filho do agora rei D. João VI) para Portugal, porque via nele a possibilidade do Brasil se tornar uma nação independente e liberal, não só economicamente – como já estava sendo, desde a abertura dos portos em 1808 –, mas também politicamente.

Foi com esse objetivo que a elite brasileira apoiou a resistência de D. Pedro em voltar para Portugal e, depois, em 1822, o movimento de Independência.

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro declarou a independência do Brasil e passou a ser o seu imperador (rei). Tem início aí o Brasil Império (1822-1889).

Indicação de leitura


Para as próximas unidades - O Direito no Brasil Colonial: partes I, II e III -, indico a leitura do artigo "O Direito no Brasil Colonial", de Cláudio Valentim Cristiani. Esse artigo (de 18 páginas) é um dos capítulos do livro "Fundamentos de História do Direito", organizado por Antonio Carlos Wolkmer (disponível na Biblioteca da FAPAM). Na edição que eu tenho em mãos (que é a 2ª), o texto indicado corresponde ao capítulo 12.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Trabalho: "Testemunha da Acusação"


- O trabalho "Testemunha da Acusação" é oral. Ninguém precisa me entregar nada escrito.
- Na encenação, avaliarei a clareza, a desenvoltura e a criatividade dos integrantes do grupo na adaptação do texto.
- Na análise, avaliarei a capacidade do grupo em examinar o que está por trás da peça, o que ela ensina sobre a ciência do direito, sobre a história, sobre a vida, etc.
- Durante a análise, poderei fazer perguntas a integrantes dos grupos da encenação e da análise individualmente, à minha escolha (e isso, dependendo do resultado, poderá levar à atribuição de notas individuais, diferentes da do grupo). 
- Nem todos precisam representar um papel na peça ou falar no momento da análise, mas precisam ter trabalhado, participado da organização, da escrita de textos de apoio ao grupo, etc. (Quero saber quem trabalhou e quem não trabalhou. Vou perguntar aos líderes, que deverão me entregar, antes da análise, uma lista com essas informações).
- Além dos 10 pontos distribuídos no trabalho, haverá uma questão de 05 pontos na avaliação final (de 30 pontos) sobre as apresentações.

Bom trabalho!

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Descrever, relacionar, analisar

Descrever: contar em detalhes; narrar.
Analisar: investigar, examinar minuciosamente; esquadrinhar, dissecar; submeter à crítica; criticar, comentar.
Análise: avaliação crítica; exame.
Relacionar: estabelecer relação ou analogia entre coisas diferentes.
Analogia: relação de semelhança entre coisas ou fatos distintos.

DESCREVA as imagens a seguir:


Agora RELACIONE as imagens umas com as outras e redija um texto ANALISANDO essas relações (analogias).

Alunos que faltaram no dia da atividade deverão me entregar um trabalho individual na próxima aula (o mesmo trabalho).

terça-feira, 16 de abril de 2013

13 - A formação de Portugal e Espanha


Para esta unidade, não haverá nota de aula, apenas os slides. Sugiro a vocês que façam uma síntese da aula, seguindo os slides. Quem quiser, pode me entregar para eu corrigir.

Para visualizar os slides, CLIQUE AQUI

Para assistir a um vídeo de 10 minutos sobre a formação de Portugal (em português de Portugal), CLIQUE AQUI

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Dica de filme: "Rei Arthur"



Neste filme de 2004, o contexto é a Grã-Bretanha no período final da presença romana (anos 400-500 d.C.), quando os saxões já avançavam com violência sobre o território, lutando contra romanos e bretões (celtas).

Segundo esta versão cinematográfica da lenda, antes de se tornar rei dos bretões (tribo celta), Arthur foi um guerreiro romano-bretão, que lutou por Roma e, principalmente, pelos bretões, defendendo suas terras dos invasores saxões.

Sinopse: 

No filme, que mistura evidências históricas com elementos das lendas arturianas, Arthur e seus Cavaleiros (provenientes de tribos conquistadas pelo Império Romano) enfrentam os saxões, que invadem a Grã-Bretanha quando o império em decadência está se retirando, deixando os habitantes da ilha à mercê dos invasores.

Para assistir ao trailer original do filme, CLIQUE AQUI

12 - Direito Medieval - Parte II: Common Law



O direito romano foi a base do direito moderno em grande parte da Europa; na Inglaterra, não. 

A influência do direito romano na formação dos direitos francês, espanhol e português foi muito maior do que na do direito inglês, assim como foi maior também a influência do latim – que era a língua falada em Roma – na formação das línguas francesa, espanhola e portuguesa. Na Inglaterra, a influência direta do latim na formação da língua inglesa foi tão pequena quanto a influência do direito romano na formação do direito inglês.

O direito inglês desenvolveu-se, portanto, de forma bastante autônoma. Foi o Common Law (Direito comum): um direito baseado nos costumes e nos precedentes jurídicos.

Common Law é o direito desenvolvido por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui portanto um sistema de direito diferente do sistema romano, que enfatiza os atos legislativos, as leis. Nos sistemas de Common Law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros (está aí a força dos costumes). Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente.

O conjunto de precedentes é chamado de Common Law e vincula as decisões futuras. Quando as partes discordam quanto ao direito aplicável, um tribunal procura uma solução dentre as decisões precedentes dos tribunais competentes. Se uma controvérsia semelhante foi resolvida no passado, o tribunal é obrigado a seguir o raciocínio usado naquela decisão anterior (princípio conhecido como stare decisis). Entretanto, se o tribunal concluir que a controvérsia em exame é diferente de todos os casos anteriores, decidirá como "assunto de primeira impressão" (matter of first impression). Posteriormente, tal decisão se tornará um precedente e vinculará os tribunais futuros com base no princípio do stare decisis. Pode acontecer também do tribunal discordar do precedente e criar um novo, que passará a vincular decisões futuras.

Agora, um pouco de história:

Após o domínio romano, que terminou em 407 d.C., tribos bárbaras, principalmente os anglos e os saxões, invadiram parte do território da Grã-Bretanha e o dividiram entre si, concentrando-se ao sul da antiga província romana. Não havia ainda um direito comum a toda a Bretanha. O direito era fragmentado, uma mistura de costumes antigos (celtas, anglos-saxões, etc.), muito semelhante ao que no continente nós chamamos de Direito Feudal.

O Common Law começou a se formar mesmo na Grã-Bretanha a partir de 1066, logo após a invasão dos Normandos (descendentes dos Vikings), povos que, assimilando em parte a cultura dos anglos-saxões, instituíram ali um tipo diferente de feudalismo. Lembre-se que o feudalismo, no continente europeu, era fragmentado: cada senhor feudal tinha o seu direito e o aplicava à sua maneira no seu feudo. Na Grã-Bretanha (na parte onde em breve surgiria o reino da Inglaterra), não. Isso porque o “rei” normando (líder dos invasores), após a invasão, não dividiu com os seus guerreiros (senhores feudais ou lordes) a aplicação da Justiça. Os feudos que se formaram na Inglaterra após a invasão normanda não eram tão independentes da autoridade do rei como eram os feudos do continente, e o Common Law, formado a partir do registro dos costumes locais, tornou-se comum a todos os feudos, tendo como garantidor do cumprimento desses costumes aquele que era o “senhor feudal” mais poderoso do território conquistado, a quem chamaremos de rei.

Os senhores feudais administravam suas terras, cobravam impostos, mas dependiam do rei para a aplicação da Justiça, o que reduzia muito a autonomia dos feudos.

Esse direito originalmente inglês, comum a toda a Inglaterra já na Idade Média, teve um desenvolvimento também original.

O rei Henrique II (1133-1189) contribuiu muito para a formação do direito comum inglês, desenvolvendo a prática de enviar juízes de seu próprio tribunal central para ouvir as diversas controvérsias por todo o país (em todos os feudos). Seus juízes resolviam-nas de modo ad hoc, conforme a sua interpretação do que era o costume aplicável. Os juízes reais retornavam a Londres e normalmente discutiam seus casos e decisões entre si. As decisões eram registradas e arquivadas. Com o passar do tempo, surgiu a regra do stare decisis (ou do precedente), segundo a qual o juiz estava obrigado a seguir a decisão pretérita de um juiz anterior, aplicando os mesmos princípios usados por aquele magistrado quando os dois casos apresentassem fatos semelhantes. Com este sistema de precedentes, as decisões "congelavam-se" e seu conteúdo perpetuava-se, e assim o direito pré-normando de costumes locais desconexos (celtas e anglo-saxões) foi substituído por um sistema elaborado e coerente de normas que era comum por todo o reino.

Com o tempo, o sistema feudal inglês (diferente daquele que vigorava no continente) foi se transformando em um sistema centralizado e burocratizado de poder: um estado monárquico centralizado, aos moldes dos estados francês, espanhol e português.

Um dos fatos mais marcantes dessa história aconteceu em 1265, quando o rei foi obrigado pela população a criar uma assembléia constituída por representantes do clero, da nobreza feudal e da burguesia, limitando o seu poder: era o Parlamento, uma das instituições mais tradicionais e sólidas da Inglaterra. O monopólio da Justiça e o poder executivo continuaram nas mãos do rei, mas o Parlamento tinha poder de veto sobre uma série de leis e decisões administrativas provenientes do monarca, como o aumento de impostos, por exemplo. (Cabe ressaltar que, embora os costumes e precedentes judiciários – o Common Law – mantivessem posição privilegiada no direito inglês, novas leis eram publicadas, sobretudo no contexto de formação do estado burocrático inglês).

Com a criação do Parlamento, o rei legislador teve seu poder limitado; ele não podia interferir na vida social e econômica dos seus súditos de forma absoluta, sem levar em conta a opinião do Parlamento, pois o seu poder dependia, também, do Parlamento.

Mais tarde, no século XVII, o rei inglês tentou impor a sua vontade, fechando o Parlamento, e foi derrubado do poder. No final do processo revolucionário (em 1688), a Monarquia se manteve, mas o rei perdeu o seu poder legislador e de administrador da Justiça, que passou a se concentrar no Parlamento (poder legislativo) e nos Tribunais (poder judiciário), desvinculados do rei. O rei perdeu também o poder executivo, que passou para o Parlamento. Desde 1688, na Inglaterra, podemos dizer que “o rei reina, mas não governa”.

No continente europeu, devido à forte influência do direito romano (direito extremamente centralizador), a evolução dos direitos nacionais francês, espanhol e português, a partir do direito romano, não permitiu que nesses reinos o rei tivesse o seu poder de legislar limitado tão cedo como na Inglaterra. Lembre-se que o objetivo central do direito romano foi centralizar o poder nas mãos do imperador, dando a ele o controle absoluto sobre o seu Império.

CLIQUE AQUI e visualize, no mapa, os países que hoje seguem o sistema do Common Law. Os que estão em azul escuro são exclusivamente Common Law. Os que estão em azul claro seguem o Common Law junto com outros sistemas de direito.

Foto: a "Torre de Londres" teve sua construção iniciada por Guilherme, o conquistador (primeiro rei normando da Inglaterra), em 1078

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Slides da aula 11: Direito Medieval - Parte I


Para visualizar os slides, CLIQUE AQUI

11 - Direito Medieval - Parte I



Direito Medieval = Direito Feudal (aplicado pelo senhor feudal no seu feudo) e Direito Canônico (aplicado pela Igreja Católica Romana em toda a Cristandade). O discurso jurídico canônico se materializou no Tribunal da Santa Inquisição (oficializado pelo Papa em 1231). 

Os livros de história geralmente apresentam a Idade Média como sendo o período iniciado com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., e terminado com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 (a queda do Império do Oriente - ou Império Bizantino).

Mas como o nosso interesse é pela sociedade que se desenvolveu na Europa Ocidental após a queda do Império do Ocidente (sociedade esta fortemente influenciada pelo Cristianismo Católico Romano), vamos deixar de lado aqui a chamada Civilização Bizantina (que floresceu no Império do Oriente durante a Idade Média) e nos concentrar na sociedade feudal da Europa Ocidental.

Com relação ao direito, na Idade Média Ocidental, após a fragmentação dos reinos bárbaros, vamos encontrar dois tipos de direito: o chamado Direito Feudal – um direito costumeiro e oral (consuetudinário), e o Direito Canônico (que era o direito da Igreja Católica).

Neste texto, vamos tratar do Direito Feudal e do Direito Canônico, e mostrar como o discurso jurídico canônico se materializou na Santa Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício.

Na Europa Feudal, a Igreja era a instituição que monopolizava a interpretação da realidade, pois era ali que estavam os estudiosos, os eruditos, os chamados “doutores da Igreja”; e a Igreja logo se tornou um lugar de saber inquestionável, para onde as pessoas deveriam se dirigir para saber o que fazer para alcançar a salvação eterna. Deus estava na origem de tudo: a vida e a morte dependiam da vontade de Deus, e era a Igreja que tinha o conhecimento sobre como alcançar a salvação, atendendo aos desígnios de Deus.

Aos poucos a Igreja Católica foi criando regras que visavam não só ao controle do clero (que se tornava cada vez mais hierarquizado e complexo) mas também ao controle da população em geral, que vivia, em sua grande maioria, sob a autoridade de senhores feudais católicos, que respeitavam a Igreja.

A Igreja se preocupava muito com o comportamento da população em geral, pois ela acreditava que uma sociedade desregrada não era agradável a Deus. A interpretação da Igreja era a de que Deus havia determinado o papel de cada um na sociedade: um grupo rezava, outro lutava e outro trabalhava: seriam o clero, a nobreza (os senhores feudais e seus exércitos) e o povo (camponeses e burgueses). Não podia haver mudança de papel, as regras eram claras; e essa sociedade estamental deveria funcionar de forma previsível, rotineira, regrada, dentro do modelo normativo estabelecido pela Igreja, para que Deus não se voltasse contra ela, mandando a peste, a fome e outras calamidades (castigos).

Coube, então, à Igreja, a única instituição capaz de interpretar os desejos de Deus, a tarefa de produzir as regras (ou cânones) para o controle dessa sociedade.

Um aspecto importante desses cânones foi a privação do prazer. Os monges e religiosos de forma geral desenvolveram um tipo de vida marcado pela privação do prazer, pela virgindade ou abstinência sexual, por jejuns e muita oração, pois assim acreditavam que estariam mais próximos de Deus.

É claro que a Igreja não impôs esse tipo de comportamento ao resto da população, mas tentou regrar a conduta dos cristãos de forma a fazer com que eles se entregassem o mínimo possível às tentações da carne, à gula, etc., e rezassem mais.

Com relação à questão sexual, por exemplo, São Jerônimo (que era um doutor da Igreja e viveu entre os séculos IV e V) dizia o seguinte: “É adúltero aquele que mantém relação amorosa ardente com sua esposa”. Para ele, adúltero não era só o indivíduo que traía a sua esposa, mas também aquele que fazia sexo com sua própria esposa de forma ardente, ou seja, buscando alguma coisa (prazer) além da simples procriação.Só se podia fazer sexo para ter filhos.

Outro doutor da Igreja medieval disse o seguinte: “Se uma mulher não deseja ter filhos, que ela faça um acordo piedoso com seu marido, porque a castidade é a única esterilidade permitida a uma cristã”. Que acordo piedoso é esse? Não fazer sexo de jeito nenhum.

O aborto, o infanticídio e qualquer método contraceptivo eram proibidos pela Igreja – e ainda são. Sobre essa questão, São Martinho, bispo de Braga, morto em 579, disse o seguinte: “Se uma mulher fornicou e matou o filho nascido deste ato, ou cometeu um aborto e matou aquele que tinha concebido, ou tomar poções para não conceber, seja no adultério como no casamento legítimo, os cânones precedentes (ou seja, anteriores) condenam esta mulher a ser privada da comunhão até a morte; mas nós decretamos, por graça, que estas mulheres e aquelas que as ajudaram no seu crime façam penitência durante dez anos”.

Mesmo as pessoas casadas tinham que obedecer rigorosamente aos períodos de abstinência sexual estabelecidos pela Igreja.  Por exemplo, não podiam ter relações sexuais na quaresma, nem em qualquer quarta-feira, sexta-feira ou domingo do ano; se vai ou foi à Missa, nada de sexo naquele dia; no dia da Páscoa, no dia do Natal e de Pentecostes, nada de sexo. Durante a gravidez também não, e durante trinta noites após o nascimento do filho, também não.

Essas informações foram tiradas de um Penitencial do século VIII, citado no livro do Professor Marco Antônio Pais, “O Nascimento da Europa” (disponível na Biblioteca da FAPAM). Esse Penitencial diz também o seguinte: “As mulheres não devem participar do Sacramento durante sua doença mensal (menstruação). Aqueles que mantêm relações com elas durante este período façam penitência durante vinte noites”.

Outro aspecto da realidade que foi aos poucos sendo controlado pelo direito da Igreja (ou, pelo menos, que a Igreja tentou controlar) foi o comércio e, principalmente, o seu elemento sustentador: o lucro.

Lembrem-se que, no início de sua formação, a economia medieval era fechada: não havia moedas e quase não sobravam alimentos para os camponeses irem de um feudo a outro para trocar a sua produção por outros tipos de alimentos. As trocas comerciais eram muito restritas.

Só que, com o tempo, alguns camponeses começaram a organizar feiras anuais onde, todos os anos, um grande volume de trocas passou a ser realizado. Foi nesse contexto que eles voltaram a utilizar a moeda como elemento de troca, o que facilitou muito o comércio, porque não era mais necessário carregar produtos daqui para ali, para trocá-los por outros produtos; era só trocar os produtos por moedas, pegar essas moedas, ir até uma feira, e trocar essas moedas por outros produtos.

Nesse contexto, dentro da sociedade feudal, começaram a aparecer aldeias onde se concentraram pessoas que haviam se especializado na atividade comercial: aldeias que se tornaram, elas próprias, centros comerciais. Eram os burgos, e seus habitantes, os burgueses. Os burgueses não eram camponeses. Eles só compravam dos camponeses a sua produção e revendiam para outros camponeses, logicamente obtendo lucro.

Quando esses burgueses entraram em cena, a Igreja condenou a sua atividade: o comércio. No decreto de Graciano (monge italiano e um dos maiores juristas da Igreja Católica), datado do século XII, existe a seguinte frase: “o mercador nunca pode agradar a Deus – ou dificilmente”.

São Tomás de Aquino, um dos maiores intelectuais da Igreja de todos os tempos, dizia o seguinte, no século XIII: “o comércio, considerado em si mesmo, tem um certo caráter vergonhoso”.

Quais os motivos dessa condenação? O próprio objetivo do comércio: o desejo de ganho, a sede de dinheiro, o lucro, o que levava o mercador, quase sempre, a cometer um dos pecados capitais: a cupidez ou avareza.

Mas a Igreja não conseguiu impedir o desenvolvimento comercial colocando obstáculos que fossem eficazes no sentido de neutralizar as atividades dos mercadores, e, mais tarde, ela própria vai acabar se aliando aos mercadores – ela continuou condenando severamente apenas um dos desdobramentos da atividade comercial: a usura, que era o empréstimo a juros.

Para a Igreja, o tempo pertencia a Deus, e nenhum ser humano podia ganhar dinheiro utilizando-se do tempo. A própria Bíblia condenava a usura. Em um texto do Antigo Testamento há a seguinte passagem: “Não exigirás de teu irmão nenhum juro nem para dinheiro, nem para víveres, nem para coisa alguma que se preste ao juro”. No Novo Testamento há também uma passagem sobre isso que diz o seguinte: “Emprestai sem nada esperar em retorno, e grande será vossa recompensa”. São Tomás de Aquino condenava a usura dizendo que o dinheiro deveria servir para favorecer as trocas e que acumulá-lo, fazê-lo frutificar por si mesmo, era uma operação contra a natureza e contra Deus. 

Uma questão: Será que a Igreja realmente acreditava que, ao punir aqueles que se desviavam de suas diretrizes (se entregando aos prazeres da carne, o que, na visão da Igreja, “pesava” a alma do cristão, impedindo que ele alcançasse a Salvação), ela estaria realmente salvando o corpo cristão, ou seja, a Cristandade, da perdição? Será que a Igreja realmente via a sociedade como um corpo, cujos membros podres (ou tumores) deviam ser extirpados, de forma que eles não comprometessem o todo? Ou será que tudo não passou de uma estratégia de poder? Ou as duas coisas?

Esses são apenas alguns exemplos de regras da Igreja Católica Romana que, aos poucos, foram constituindo o Direito Canônico. Esse direito se diferenciava do Direito Feudal em dois aspectos principais. Primeiro: o Direito Canônico era um direito escrito, enquanto o Direito Feudal (que vigorava em cada feudo e tinha na figura do senhor feudal a autoridade judiciária máxima - pelo menos antes da formação dos primeiros estados) não era escrito: era costumeiro, oral: ou seja, consuetudinário. Segundo, o Direito Canônico era um direito centralizador, enquanto o Direito Feudal era fragmentário.

O Papa não via a Europa Ocidental como uma colcha de retalhos, fragmentada em várias unidades políticas, cada uma com sua estrutura judicial. Ele via a Europa enquanto uma unidade cristã, uma realidade social unida na fé cristã, obediente a Roma. Por isso o Papa fundou um modo diferenciado de resolução de litígios baseado no direito romano, que era um direito centralizador.

Cada feudo tinha o seu direito. Lembrem-se que a Idade Média (na sua maior parte) foi um período de fragmentação ou descentralização do poder, e isso se refletiu de forma marcante na organização judicial. O senhor feudal exercia a soberania política e judicial, fazendo justiça de acordo com o direito consuetudinário, no seu feudo – somente no seu feudo.

Como se tratava de um direito oral, dificilmente podemos deduzir o seu conteúdo, mas sabe-se que, desde o início, a partir do momento em que os senhores feudais (ou seus ancestrais “bárbaros”) começaram a se converter ao Cristianismo, os cânones da Igreja católica passaram a ser seguidos nos feudos católicos, pois assim que acontecia a conversão do senhor, o Papa mandava um membro do clero para viver no seu castelo e fazer com que o direito da Igreja fosse ali respeitado.

Nós temos, então, dois direitos sendo aplicados paralelamente na Europa Ocidental. O primeiro, fragmentado: cada feudo tinha o seu. O outro, centralizador, escrito, comum a todos os feudos católicos.

Acontecia, algumas vezes, do Direito Feudal ir contra o Direito Canônico em determinados aspectos da realidade, sobretudo relacionados aos costumes do povo; mas quando isso acontecia, o senhor feudal normalmente acatava as determinações do Direito Canônico. Isso atesta a importância do direito da Igreja na Europa Medieval.

Quando, a partir dos séculos XII-XIII, os feudos mais militarizados começaram a submeter os mais fracos, à força ou através de alianças, a Igreja ajudou os senhores feudais mais fortes pregando aos outros a necessidade da submissão e acabou se tornando a grande aliada dos monarcas que surgiram nesse processo de centralização do poder. A importância simbólica da Igreja era tanta, a crença católica era tão forte entre o povo, que quem passou a legitimar o poder político dos reis foi a Igreja, através da Sagração. O rei que não fosse sagrado pela Igreja não tinha o direito de exercer o poder, a população não o reconhecia como rei.

Foi durante esse processo de centralização do poder nas mãos dos monarcas (antigos senhores feudais) que surgiu o Tribunal da Santa Inquisição, uma forma encontrada pela Igreja para sistematizar o seu controle sobre a Cristandade, aplicando o seu direito.

A Santa Inquisição foi se estabelecendo em diversos pontos da Europa, amparada pelos senhores e reis católicos. A sua tarefa foi, principalmente, julgar os hereges, ou seja, aquelas pessoas que interpretavam os ensinamentos cristãos de maneira diferente daquela que a Igreja pregava. Mas a Inquisição também julgava casos de adultério, incesto, bigamia, bruxaria, sacrilégio, usura e outros comportamentos considerados desviantes do ponto de vista da moral religiosa.

A primeira etapa do processo inquisitorial era ouvir os boatos. As autoridades eclesiásticas estimulavam a delação, dizendo que Deus recompensaria aqueles que entregassem os hereges e outros desviantes ao Inquisidor. Depois, os suspeitos eram interrogados. Havia um manual que regulamentava os interrogatórios e demais procedimentos inquisitoriais: o Manual dos Inquisidores. Se o suspeito vacilasse em suas respostas, se ele dissesse uma coisa e depois outra, ele poderia ser torturado para que confessasse. A condenação poderia vir com confissão ou sem confissão. Não havia advogado de defesa. Era o próprio acusado que se defendia.

A pena máxima estabelecida pela Inquisição era a morte na fogueira. As penas mais leves iam desde penitências, orações, penas pecuniárias (em dinheiro), até os chamados “Autos de fé”, que eram procissões em que os condenados eram obrigados a participar vestidos de branco e com velas nas mãos (normalmente era assim), de forma que todos pudessem ver quem eles eram.

O sistema jurídico inquisitorial contribuiu para a racionalização do sistema penal no final da Idade Média e início dos tempos modernos. Embora fosse um sistema ligado à Igreja e ao “Sagrado”, o procedimento de investigação era bastante racional. Para começar, os processos eram todos registrados por escrito. Havia investigação, depoimentos de testemunhas e um sistema de provas muito sofisticado para a época. Por exemplo, o testemunho ocular de duas pessoas era uma prova plena e podia levar facilmente à condenação. Vários indícios podiam se tornar uma meia prova ou prova semiplena. Duas provas semiplenas podiam se tornar uma plena.

Um exemplo muito interessante é o de Domenico Scandella, conhecido como Menochio, um moleiro (dono de moinho), nascido numa região da Itália, o Friuli, em 1532, e que foi condenado em 1593 pela Inquisição italiana a morrer na fogueira como herege.

O processo inquisitorial de Menochio foi minuciosamente analisado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg, que publicou um livro sobre ele chamado “O Queijo e os Vermes”.

Primeiro Menochio começou a falar mal dos padres: ele não reconhecia a hierarquia da Igreja e falava para todo mundo ouvir o que ele pensava. Dizia também que blasfemar não era pecado. Uma das testemunhas do processo disse que ele teria dito o seguinte: “Cada um faz o seu dever; tem quem ara, quem cava e eu faço o meu, blasfemar”. Dizia que tudo era Deus: “Tudo o que se vê é Deus, e nós somos deuses; o céu, a terra, o mar, o ar, o abismo, os infernos, tudo é Deus”. Uma outra frase que as testemunhas disseram que ele teria dito foi a seguinte: “O que é que vocês pensam, que Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria? Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem”.

Mas o que a Inquisição considerou mais grave foi a sua idéia sobre a origem do mundo. Ele dizia que no início tudo era um caos e que desse caos surgiu uma massa. Dessa massa, assim como do queijo surgem os vermes, surgiram os anjos, dentre os quais estava Deus, também originado daquela massa. (O que mais escandalizou a Inquisição foi justamente essa idéia de que Deus surgiu da matéria). Deus foi então o senhor dos anjos Lúcifer, Gabriel, Miguel e Rafael. Lúcifer quis se fazer de senhor e foi mandado embora do céu. Depois Deus fez Adão e Eva...

Foto: Catedral de Notre-Dame, em Paris, construída entre 1163 e 1345

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Indicação de leitura


Para a unidade 11 - Direito Medieval, indico a leitura do artigo "Aspectos históricos, políticos e legais da Inquisição", de Samyra Haydêe Naspolini. Esse artigo (de 15 páginas) é um dos capítulos do livro "Fundamentos de História do Direito", organizado por Antonio Carlos Wolkmer (disponível na Biblioteca da FAPAM). Na edição que eu tenho em mãos (que é a 2ª), o texto indicado corresponde ao capítulo 9.