sábado, 4 de maio de 2013

16 - O Direito no Brasil Colonial - Parte III: O Rei Absoluto



No sistema absolutista europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII, acima de tudo estava o rei. Ele era a autoridade máxima. Acima de seus funcionários em questões administrativas, judiciárias e legislativas, estava ele, o grande governante, o grande juiz, o grande legislador. Lembre-se que o rei era absoluto. Nas suas mãos concentravam-se os três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Mas como o rei sozinho não conseguia resolver tudo diretamente, ele precisava da ajuda de funcionários (que eram indicados por ele ou por pessoas de sua confiança).

No Brasil colonial (parte que era da Monarquia Absolutista Portuguesa) também foi assim. No início da nossa história administrativa (1530-1548), o capitão donatário tinha um poder muito grande sobre a sua capitania, mas acima dele havia dois documentos reais que, de certa forma, limitavam esse poder – a carta de doação e a carta de foral, que visavam, de forma geral, ao controle da sociedade que se desenvolvia na capitania. 

Quando foi estabelecido o sistema das capitanias hereditárias, a legislação que vigorava em Portugal vinha das Ordenações Manuelinas (1521), que também passaram a vigorar no Brasil. Mas como não havia fiscalização direta da parte do rei, a lei que vigorava de fato era a lei do capitão donatário, muitas vezes contrária às cartas de doação e foral e às Ordenações.

Com o Governo Geral, a partir de 1548, a coisa começou a mudar. As decisões administrativas, legislativas e judiciárias foram aos poucos sendo centralizadas na sede desse governo, estabelecida em Salvador. Para governar o Brasil, administrar suas finanças, defendê-lo e aplicar a justiça do rei, o monarca indicou um governador geral, um provedor-mor (para questões de finanças), um capitão-mor (para questões militares, de defesa) e um ouvidor-mor (para julgar e aplicar a justiça), todos eles funcionários do estado. 

O ouvidor-geral ou ouvidor-mor era a maior autoridade judiciária do Brasil (até a criação do primeiro Tribunal da Relação, em Salvador). Com o tempo, o rei indicou governadores, provedores, capitães e ouvidores para administrar as capitanias do Brasil (não mais hereditárias), só que estes, teoricamente, deviam obediência às autoridades gerais estabelecidas na sede do Governo Geral, Salvador (acima do Governo Geral, só o rei).

Como muitos processos de crimes e litígios mais graves tinham que ser transferidos para serem julgados em Salvador, em 1587 foi criado ali um “Tribunal da Relação”, um órgão coletivo, onde trabalhariam vários desembargadores. Desembargar é desembaraçar, desimpedir, despachar, dar uma sentença, resolver, e quem tinha poder para isso era o juiz desembargador. A antiga ouvidoria não era um órgão coletivo, pois ali só atuava o ouvidor. Com o tribunal, a justiça seria aplicada de forma mais rápida, com vários desembargadores atuando juntos. Só que o Tribunal da Relação de Salvador não foi implantado em 1587, por problemas administrativos, sendo efetivamente instalado só em 1609, quando já vigoravam as Ordenações filipinas. 

O Tribunal da Relação era uma instância intermediária. Os casos que as ouvidorias das capitanias não podiam resolver, principalmente situações jurídicas ou crimes considerados graves, eram enviados para o Tribunal da Relação de Salvador. Se ali os desembargadores também não pudessem resolvê-los, eles os enviavam para o tribunal de última instância, localizado na sede da monarquia portuguesa, Lisboa. O principal tribunal de última instância era a Casa da Suplicação. Seus desembargadores estavam em contato direto com o rei, sempre. Na verdade, era o rei que presidia esse tribunal.  

Em 1751 foi criado um outro Tribunal da Relação no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Nessa época, já se extraía muito ouro na Capitania de Minas Gerais (a dinâmica econômica colonial se concentrava na região sudeste), o que transformou o Rio de Janeiro no principal porto de entrada de mercadorias importadas e de saída das frotas carregadas do ouro proveniente de Minas Gerais.

A região das Minas se desenvolveu muito. Vila Rica – hoje Ouro Preto – tornou-se um importante pólo econômico no interior do Brasil, surgindo ali uma civilização urbana extremamente complexa e conflituosa. Por isso foi criado o outro Tribunal da Relação, na cidade do Rio de Janeiro, para atender com mais prontidão à sociedade do Rio e, principalmente, às vilas do ouro da Capitania de Minas Gerais, onde a ouvidoria não dava conta de tantos processos. 

Além das ouvidorias nas capitanias, dos tribunais em Salvador e no Rio e da Casa da Suplicação, havia também a justiça local, nas vilas. O arraial ganhava estatuto de vila quando o rei decidia implantar ali uma câmara. A câmara, no período colonial, era um órgão administrativo, legislativo e judiciário. Quem a presidia eram dois juizes, os juizes ordinários, eleitos pelos nobres da vila para um mandato de 1 ano. Eles eram os agentes executivos municipais e, ao mesmo tempo, autoridades judiciárias da localidade, autorizadas a julgar casos que não fossem da alçada do ouvidor da capitania. Os dois juizes se revezavam mensalmente no cargo, para poderem cuidar de seus negócios pessoais, pois não recebiam vencimento. 

A câmara era formada pelos dois juizes ordinários e por vereadores, cujo número variava de 5 a 10. Os vereadores legislavam em nível local, produziam editais com normas para o controle da sociedade da vila, levavam casos menores para serem julgados pelos juizes ordinários e decidiam sobre medidas administrativas a serem executadas pelos juizes ordinários (verdadeiros prefeitos). Por exemplo, os vereadores legislavam sobre a pavimentação das ruas, sobre a organização do comércio local, sobre os horários de funcionamento das vendas – que eram verdadeiros antros de prostituição e bebedeira –, sobre a qualidade e o preço dos alimentos consumidos pela população, sobre impostos, etc. Os vereadores também não recebiam nada pelo seu serviço. O cargo era disputado pelo fato de ser símbolo de status, assim como o cargo de juiz ordinário. 

Auxiliando os juizes ordinários e os vereadores, havia o juiz de vintena, o juiz de órfãos, o juiz de fora e o juiz almotacé. 

O juiz de vintena era uma autoridade judiciária menor, escolhida pela câmara para presidir inquéritos de menor importância em áreas determinadas pelos juizes ordinários, geralmente povoados e pequenos arraiais mais afastados da vila. 

O juiz de órfãos era também uma autoridade judiciária menor, só que escolhida não pela câmara, mas pelo rei, para cuidar dos órfãos e de sua herança. 

O juiz de fora era uma autoridade judiciária itinerante, também escolhida pelo rei, para ajudar o juiz ordinário – na verdade, o que ele fazia era fiscalizar o trabalho da justiça local, sendo pessoa de fora e não enredada nas tramas de interesses locais. 

O juiz almotacé era escolhido pela câmara e atuava na investigação e julgamento de crimes relacionados ao pequeno comércio. Por exemplo, era proibido vender cachaça nos morros onde havia escravos minerando em Minas Gerais, porque os escravos, além de utilizarem o ouro (que não lhes pertencia) na compra da bebida – a fiscalização era precária –, eles se embebedavam, “perdiam o juízo” – como diz um documento da época – e caíam nos buracos das minas, muitos morrendo, outros ficando aleijados, o que significava prejuízo para o seu senhor e para a atividade de extração aurífera. Quem julgava e atribuía penas para os casos de comércio ilegal era o juiz almotacé, que também fiscalizava os pesos e medidas, a qualidade e os preços dos alimentos consumidos pela população local, etc.

Acima de toda essa estrutura local havia a ouvidoria da capitania. Acima dessa ouvidoria havia, até 1609, a ouvidoria geral em Salvador e, depois, Tribunal da Relação de Salvador. Em 1751, como vimos, foi criado também um Tribunal da Relação no Rio de Janeiro. Acima dos Tribunais da Relação havia a Casa da Suplicação de Lisboa, ligada diretamente ao rei, transferida para o Brasil em 1808. 

Só que acima de tudo isso havia o rei, autoridade máxima, legislador, executor e juiz absoluto. Ele controlava tudo – ou pelo menos tentava – através de dois documentos de grande poder: os alvarás, que continham disposições cujo efeito, em regra, não deveriam durar mais de um ano; e as cartas-régias, que eram documentos com força de lei contendo medidas de caráter geral e quase sempre permanentes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário