sábado, 23 de fevereiro de 2013

5 - O Direito Grego Antigo - Parte I: contexto histórico



Os gregos surgiram do encontro entre povos de origem indo-européia – os chamados “indo-europeus” –, que viviam em diferentes regiões da Ásia e Europa, com os povos autóctones (que já viviam na península grega antes da chegada dos indo-europeus).

Até hoje, a história desses povos indo-europeus encontra-se, em grande parte, envolta em mistério: existem poucos vestígios arqueológicos sobre eles. O conhecimento mais sistemático que existe sobre os indo-europeus está na filologia, ciência que estuda as línguas. Um filólogo especialista em línguas de origem indo-européia foi o francês Georges Dumézil. Ele detectou semelhanças entre várias línguas antigas (o grego antigo, o latim, etc.) que, segundo ele, indicam uma origem comum indo-européia.

O que se sabe é que por volta de 2.000 anos a.C. um grupo de indo-europeus, os aqueus, chegaram à península grega e lá se estabeleceram.

A Grécia, na verdade, era formada por três unidades: a península balcânica, as ilhas do mar Egeu e a costa da Ásia Menor. Toda essa região foi ocupada por comunidades de seres humanos na “pré-história”, e, por volta de 2.000 a.C., recebeu a influência dos aqueus, que eram povos que, ao que tudo indica, possuíam uma organização social, política e religiosa mais sofisticada que a dos povos autóctones.

A civilização aquéia – ou “grega” – organizou-se em torno da cidade de Micenas e, a partir dali, expandiu-se para outras regiões da península, para as ilhas e para a costa da Ásia Menor. Foi o período da chamada “Expansão Micênica”, iniciada a partir de 1.400 a.C. mais ou menos. 

Trata-se de um período muito obscuro para os historiadores porque a única fonte escrita que existe sobre ele são os poemas de Homero “A Ilíada” e “A Odisséia”, que existiam na oralidade já em meados de 800 a.C., mas que só foram escritos em 534 a.C., muitos séculos depois dos fatos ocorridos. Não se sabe nem se Homero existiu, se era um indivíduo ou uma escola de poetas.

Na ilha de Creta, nesse processo de expansão, os gregos aprenderam com os povos que lá viviam a metalurgia do bronze, o uso da escrita e aperfeiçoaram a arte da navegação. Nesse período, também, o comércio e o artesanato se desenvolveram e os gregos construíram grandes palácios em suas cidades, a partir dos quais eles governavam seus territórios. A unidade política era a da cidade-estado, semelhante à da Mesopotâmia. Essa expansão e crescimento da civilização micênica teria se dado entre 1.400 e 1.200 a.C.

Por volta de 1.200 a.C. os palácios micênicos foram incendiados e destruídos. Foi nessa época também que a Grécia e a ilha de Creta foram invadidas pelos dórios, outros povos de origem indo-européia. Só não se sabe se foram eles que incendiaram e destruíram os palácios micênicos, colocando fim a essa civilização.

Com a destruição dos últimos palácios micênicos e a desagregação do sistema social controlado e mantido por eles – o chamado “sistema palaciano” –, a cultura grega desapareceu. Lembrem-se que os aqueus (ou gregos) haviam aprendido a metalurgia do bronze, o uso da escrita e a arte da navegação através do contato que eles mantiveram com uma civilização autóctone mais avançada, a cretense (que vivia na ilha de Creta). Graças a esse aprendizado, a civilização micênica se desenvolveu muito, principalmente devido ao comércio que se estabeleceu com as ilhas e com a Ásia Menor, que foi impulsionado pelo melhoramento técnico na arte da navegação.

Com a invasão dos dórios, a Grécia entrou num período de estagnação. Houve um enfraquecimento das atividades urbanas, do comércio, do artesanato, e a própria escrita deixou de ser utilizada. Foram tempos obscuros, que os historiadores chamam de “Idade das Trevas”. As comunidades diminuíram, empobreceram, isolaram-se; as trocas comerciais reduziram-se a quase nada. Extinguiu-se o contato dos gregos com outras culturas da Ásia Ocidental. Esse período vai de em torno de 1.200 até cerca de 800 a.C.

No final da Idade das Trevas ocorreu uma transformação importante nas comunidades gregas.

Quando os dórios invadiram a Grécia, por volta de 1.200 a.C. (foram eles que construíram a cidade de Esparta), teve início um processo de ruralização. As cidades se tornaram comunidades rurais – os genos – que eram liderados pelo homem mais velho, e nesses genos a propriedade da terra era de todos (era uma propriedade comunal). Só que havia terras mais férteis que outras, e como quase toda a população se dedicava à produção de alimentos para a subsistência, muitos camponeses se estabeleceram em terras inférteis. Isso gerou uma disputa pelo direito de explorar as terras cultiváveis que, de certa forma, só foi solucionado com o estabelecimento da propriedade privada pelos “aristoi” (os melhores, descendentes dos primeiros indo-europeus), que vinham, desde muito tempo, concentrando em suas mãos as terras mais férteis. Surgia assim uma aristocracia da terra e, junto com ela, o regime “aristocrático”: a Aristocracia (“governo de poucos” ou “governo dos melhores”).

É interessante notar que a literatura grega dos séculos VIII e VII a.C. só fez aumentar o poder dessa aristocracia, dizendo que os nobres eram descendentes de heróis mitológicos, e criando cenas em que os não-nobres apareciam como seres desprovidos de inteligência. Por exemplo, na obra “A Ilíada”, de Homero, tem uma cena em que um não-nobre chamado Tercídides faz acusações aos nobres.  Ulisses, que era um nobre (e é o herói da “Ilíada”), pega o seu cetro e dá uma cacetada na cabeça do não-nobre, que chora.  E assim diz Homero: “E os gregos riem de Tercídides”.

Durante o período micênico, a autoridade das cidades era a Monarquia, ou “governo de um só”, baseada na propriedade comunal. No final do período das Trevas, por volta de 900-800 a.C., a autoridade das cidades passa a ser a Aristocracia.

Apesar de ter havido um desenvolvimento cultural intenso a partir dessa época, a mudança no regime de propriedade e na política fez com que um número significativo de indivíduos migrasse para outras regiões e estabelecesse colônias fora de sua cidade de origem.

As cidades gregas tinham, nessa época, cerca de 5.000 habitantes, a população aumentava cada vez mais, e esse aumento demográfico não era acompanhado por um aumento da produção de alimentos. Aumenta o número de não-nobres, de povo, indivíduos que passam a pressionar a aristocracia no sentido de uma maior participação nas tomadas de decisões visando, logicamente, diminuir a desigualdade social.

A primeira tentativa por parte da aristocracia das cidades gregas – ou pólis gregas – no sentido de solucionar esse problema foi financiar a colonização de outras regiões, diminuindo assim os efeitos da explosão demográfica sobre a economia. Assim, os gregos colonizaram extensas áreas da Ásia Menor, diversas ilhas, a Sicília, o sul da Itália (a Magna Grécia) e extensas áreas em torno do Mar Negro, fundando novas cidades que passaram a fazer parte do circuito comercial grego.

Durante esse período, a moeda começa a ser utilizada e, logo em seguida, surge o câmbio, porque cada cidade tinha a sua moeda (a moeda era símbolo de autonomia política), o que facilitou enormemente o comércio.

Bizâncio foi uma cidade fundada pelos gregos nesse processo de colonização por volta do século VII a.C., e que mais tarde seria a sede do Império Romano do Oriente, com o nome de Constantinopla. Hoje, a antiga Binzâncio, fundada pelos gregos, depois Constantinopla, sede do Império Romano do Oriente, é Stambul, uma das cidades mais importantes da Turquia.

Mesmo com o sucesso da colonização, que impulsionou o comércio e o desenvolvimento econômico de todas as cidades gregas, a contestação à ordem aristocrática continuou. Um dos fatores que ajudam a entender essa contestação foi a entrada dos não-nobres nos exércitos das cidades. Antes, só nobres faziam parte do exército. A partir dos anos 700 a.C., não-nobres passaram a ser recrutados, e como essa camada da sociedade passou a ser importante para a defesa da cidade, ela passou a achar ainda mais legítima a sua participação no governo.

A aristocracia fez concessões ao povo em quase todas as cidades gregas, mas as transformações políticas mais radicais ocorreram em Atenas, cidade fundada pelos jônios, povos indo-europeus que ali chegaram por volta de 1.800 a.C.

Com a pressão do povo no sentido de uma maior participação nas tomadas de decisões, surge a Tirania, um governo ditatorial, comandado por um tirano: um nobre que se aproveitava da situação para tomar o poder de forma absoluta. Não era uma monarquia tradicional porque o tirano não era filho de rei e o poder não era hereditário; não era também uma aristocracia, porque o governo não era de poucos, mas de um só. 

A diferença maior entre a Aristocracia e a Tirania é que os tiranos tomavam medidas populares no sentido de diminuir a desigualdade social e trazer o povo para o seu lado: distribuíam dinheiro, realizavam obras públicas (que geravam emprego) e festas, mandavam juizes para fazer justiça ao povo, enfim, eram líderes populistas, que ficavam no poder por pouco tempo, porque outros nobres conseguiam rapidamente convencer o povo de que o poder estaria melhor em suas mãos, davam um golpe e tomavam a liderança.

Em Atenas foram criados dois órgãos de participação nas tomadas de decisões que, mais tarde, por volta de 500 a.C., revolucionariam a política ateniense: a Boulé e a Eclésia. A Boulé era um conselho administrativo composto por 400 membros, cidadãos atenienses, responsável pela administração e pela preparação das leis. A Eclésia era uma Assembléia popular que aprovava ou não as determinações e leis que partiam da Boulé. No entanto, na Tirania, quem tinha a autoridade máxima ainda era o tirano (que assegurava os privilégios da aristocracia).

Em 507 a.C. , após a expulsão de um tirano do poder, dois grupos aristocráticos se enfrentaram em Atenas: um, liderado por Iságoras, e outro liderado por Clístenes. Clístenes se aliou com o demos (ou “povo”), e no momento em que Iságoras estava prestes a tomar o poder e instituir uma nova tirania em Atenas, Clístenes fez entrar o demos na praça pública e tomou o poder.

Todos esperavam que Clístenes fosse se tornar mais um tirano, mas isso não aconteceu. O que Clístenes fez foi entregar o poder de Atenas ao demos, criando assim a democracia, “o governo do demos”.

Até hoje existe uma dúvida sobre o que era, de fato, o demos: se era todo o povo de Atenas ou todo o povo pobre de Atenas. Alguns historiadores tendem a achar que era todo o povo; outros, que era todo o povo pobre; mas o que se sabe é que a democracia criada por Clístenes em 507 a.C. permitiu uma ampla participação política de todos os homens livres nascidos em Atenas.

Eram cidadãos atenienses todos os homens livres nascidos em Atenas, e somente os cidadãos atenisenses tinham direito de participar ativamente das tomadas de decisões políticas. Da categoria de cidadãos estavam excluídos as mulheres, os escravos e os estrangeiros (não nascidos em Atenas).

Quando Clístenes tomou o poder, ele dividiu o território de Atenas em 10 regiões, que correspondiam a 10 grupos populacionais, 10 tribos. Em cada tribo realizava-se um sorteio para definir quais cidadãos, daquela tribo, participariam da Boulé, que era o Conselho administrativo, que a partir de Clístenes passou a ser composto de 500 membros não permanentes. A Boulé se reunia para colocar em ordem o que seria tratado e decidido pela Eclésia ou Assembléia, que era o órgão de maior poder e do qual todos os cidadãos atenienses podiam participar .

As reuniões da Eclésia aconteciam uma vez por mês, começavam ao nascer do sol e terminavam ao pôr do sol. As pessoas se reuniam na praça pública, a Ágora, e lá votavam, levantando as mãos, as leis e propostas da Boulé. Definido o que seria feito, entrava em ação o poder executivo, composto por magistrados eleitos, cada um exercendo uma função diferente.

A diferença em relação à época dos tiranos, é que a Eclésia Clássica, pós-Clístenes, tinha poder de fato. Na Tirania, o povo vaiava ou aplaudia, mas não decidia nada. A partir de 507 a.C., a Assembléia ateniense passa a ter poder de fato, e a participação era direta, o que é raro na história da democracia.

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